O ser humano nasce com algumas capacidades potenciais, são coisas que podemos desenvolver dependendo do meio em que vivemos, mas que fazem parte da filogênese da nossa espécie, “coisas” sem as quais não poderíamos sobreviver no mundo, entre elas temos a capacidade de andar, nadar, desenvolver linguagens e interpretar... sim meus caros, minhas caras (é, são muitas as minhas caras, e bocas, e olhares e posturas, sou humano e, portanto, nasci com esse enorme potencial para a interpretação). Somos, por natureza, ‘interpreta-dores’, pois interpretamos as nossas dores e as dores alheias.
O verbo interpretar é transitivo direto, o que significa que ele se liga diretamente ao objeto e que precisa de um complemento para dar sentido à frase, mas não sou professor de português e isso pode não estar completamente correto, neste caso, vai depender da sua interpretação... E mais uma vez precisamos interpretar, neste caso, determinar um sentido para “a coisa”. Mas este texto fala de “interpreta-ação”, pois dependendo do meio em que vivemos ou do tipo de linguagem que desenvolvemos dois dedos elevados numa mão podem significar “hang-loose”, “paz e amor”, “vitória”, “te amo” ou “heavy metal” a depender dos dedos em questão, e tudo isso passa pelo modo como aprendemos a traduzir as coisas e a interpretá-las. Outra forma de interpretação pode fazer referência à representação de um papel e este é um ponto fulcral na leitura deste texto, pois é por causa disso que comecei a escrevê-lo, interpretamos(atuamos) para viver (ou “sobreviver”), a graciosidade infantil, a comunicação não verbal do choro do bebê mediante uma necessidade (comida, calor, carinho) pode ser notada a partir do momento em que a criança chora e se cala com a proximidade do(a) cuidador(a) - mãe, pai ou quem o valha. Pequenos atores, atuando pela sobrevivência, mas não se trata de uma atuação no sentido de falsidade, mas uma tentativa de se fazer interpretar como em falta de alguma coisa. “Persona”, que é a raiz da palavra personalidade, significa máscara, portanto é a partir do uso destas que interpretamos os diversos papéis que aceitamos dos outros e também os são escritos por nós, a partir do que é conveniente, mesmo que não seja absolutamente “lícito”.
A grande questão é para quem interpretamos, e o que queremos interpretar para este “quem”, pois o aspecto imaginário desta interpretação passa pelo mal entendido simbólico, podemos estar sendo mal interpretados, quando pensamos estar dando show de interpretação dignos de Oscar, porque na verdade não basta sentir, o que se quer é fazer sentir, por isso choramos, sorrimos e nos irritamos com as personagens diante das telas, ou diante dos nossos pares. Viver não é fácil, saber o porquê de os papéis serem tão mal escritos também não é, mas ter a consciência da força do inconsciente nos atos e fatos da nossa vida faz ter mais responsabilidades nas questões cruciais da vida. Não se sinta mal se está sendo mal interpretado, o “normal” é sê-lo, muito dificilmente falaremos tudo ou entenderemos tudo, o psicanalista Jacques Lacan já disse: “Você pode saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou”. E sendo assim, entre uma interpretação e outra (ou entre todas elas), sobra o homem, sujeito de desejo, ou manifestação do gozo, num sentido de repetição do vazio.
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