O suicídio é um soco forte e seco no
meio do nosso rosto, daquele pesado, que parte o septo nasal, tira a noção de
equilíbrio, enche a boca e garganta de sangue enquanto lateja e nos asfixia. O
suicida é aquele que sofre por ser quem é, aquele que não vê esperança num
futuro da humanidade, muito menos em si próprio futuro dentro desta humanidade
que o oprime, o cerceia e que de várias formas não o escuta. O suicida corta a
carne da sociedade com lâmina cega, deixa com sua morte a culpa para todos que
o ignoraram, para absolutamente todos que se perguntam "por quê?"...
O suicídio é, além do grito endurecedor
do silêncio, uma forma de revolta contra o sistema, é um sintoma de que algo
não está bem, em Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeno escreveu:
"Alguns escravos se suicidavam em grupo; ludibriavam o amo "com sua
greve eterna", como diz Fernando Ortiz." É fácil perceber o quanto a
nossa sociedade é hipócrita e opressiva, entretanto não podemos esquecer que
NÓS somos essa tal sociedade, é como escreveu Renato Russo "Não quero
lembrar que eu minto também… eu sei", a vida urge, mas a realidade
claudica, mancando sem firmeza e impulsionando nosso caminho para o que Freud
nos alerta em Além do princípio do prazer (um texto de 1920 e que completa cem
anos), texto de onde Lacan constitui boa parte das suas elucubrações,
trazendo-nos o conceito de gozo no seu Seminário 17: "Pois o caminho
para a morte - é disso que se trata, é um discurso sobre o masoquismo, o
caminho para a morte nada mais é do que aquilo que se chama gozo" O
gozo, de forma simples, é o curto-circuito da energia pulsional, o ponto onde a
repetição cola, não permitindo passagem para o desejo. O suicida age como se
estivesse preso numa corrente de alta voltagem fulminado por não conseguir quebrar
o seu ciclo de sofrimento. Ele não pode, não consegue se soltar e sucumbe pela
incapacidade de representar simbolicamente o seu sofrimento. Outrora escrevi um
aforismo e hoje reescrevo aqui: "Mais do que falar sobre o suicídio,
precisamos escutar quem se sente impelido a cometê-lo", escutar quem
sofre é dar condições para que se insira no simbólico, e na sociedade como um
todo, a voz de quem sofre em silêncio; quem sabe assim, ao invés de buscar a
morte, quem quer se matar, possam encontrar uma nova forma de enfrentar a vida.
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