quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Precisamos escutar para além do silêncio

 


O suicídio é um soco forte e seco no meio do nosso rosto, daquele pesado, que parte o septo nasal, tira a noção de equilíbrio, enche a boca e garganta de sangue enquanto lateja e nos asfixia. O suicida é aquele que sofre por ser quem é, aquele que não vê esperança num futuro da humanidade, muito menos em si próprio futuro dentro desta humanidade que o oprime, o cerceia e que de várias formas não o escuta. O suicida corta a carne da sociedade com lâmina cega, deixa com sua morte a culpa para todos que o ignoraram, para absolutamente todos que se perguntam "por quê?"...

O suicídio é, além do grito endurecedor do silêncio, uma forma de revolta contra o sistema, é um sintoma de que algo não está bem, em Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeno escreveu: "Alguns escravos se suicidavam em grupo; ludibriavam o amo "com sua greve eterna", como diz Fernando Ortiz." É fácil perceber o quanto a nossa sociedade é hipócrita e opressiva, entretanto não podemos esquecer que NÓS somos essa tal sociedade, é como escreveu Renato Russo "Não quero lembrar que eu minto também… eu sei", a vida urge, mas a realidade claudica, mancando sem firmeza e impulsionando nosso caminho para o que Freud nos alerta em Além do princípio do prazer (um texto de 1920 e que completa cem anos), texto de onde Lacan constitui boa parte das suas elucubrações, trazendo-nos o conceito de gozo no seu Seminário 17: "Pois o caminho para a morte - é disso que se trata, é um discurso sobre o masoquismo, o caminho para a morte nada mais é do que aquilo que se chama gozo" O gozo, de forma simples, é o curto-circuito da energia pulsional, o ponto onde a repetição cola, não permitindo passagem para o desejo. O suicida age como se estivesse preso numa corrente de alta voltagem fulminado por não conseguir quebrar o seu ciclo de sofrimento. Ele não pode, não consegue se soltar e sucumbe pela incapacidade de representar simbolicamente o seu sofrimento. Outrora escrevi um aforismo e hoje reescrevo aqui: "Mais do que falar sobre o suicídio, precisamos escutar quem se sente impelido a cometê-lo", escutar quem sofre é dar condições para que se insira no simbólico, e na sociedade como um todo, a voz de quem sofre em silêncio; quem sabe assim, ao invés de buscar a morte, quem quer se matar, possam encontrar uma nova forma de enfrentar a vida.

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