segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Tchau Jajara!



Se a vida é uma Escola, há realmente professores que são infinitamente melhores que outros, são verdadeiros MESTRES, pois ensinam não apenas com as palavras, mas com exemplos, nos mostram possibilidades onde sequer enxergamos uma tentativa. Dentre tantos bons professores, a vida me deu um presente que eu simplesmente usufruía e agradecia, absorvendo cada pérola de conhecimento que ele me presenteava, um gigante preso num corpo de 1,68m, um preto, mestiço, com nome de índio: Ubirajara (que em Tupi significa "Senhor da vara"), "Bira" para alguns, "Jajara" pra mim. Um exemplo de como é possível viver a vida espalhando por onde passa coisas boas. Humano, portanto imperfeito, mas que dentro da sua humanidade estimulava o melhor nas pessoas, pelo menos em mim, são incontáveis as lições e aprendizados que ele me ensinou, me mostrou como ser mais, apesar das dificuldades que a vida nos impõe, mostrou com seu exemplo que podemos SER humanos e deixar nossa marca no mundo.

Obrigado Jajara, por ter sido um dos melhores mestres que a vida me apresentou. Mais do que um tio, um tutor, um exemplo, eu sempre te considerei um irmão. Que sua alma tenha paz!

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Precisamos escutar para além do silêncio

 


O suicídio é um soco forte e seco no meio do nosso rosto, daquele pesado, que parte o septo nasal, tira a noção de equilíbrio, enche a boca e garganta de sangue enquanto lateja e nos asfixia. O suicida é aquele que sofre por ser quem é, aquele que não vê esperança num futuro da humanidade, muito menos em si próprio futuro dentro desta humanidade que o oprime, o cerceia e que de várias formas não o escuta. O suicida corta a carne da sociedade com lâmina cega, deixa com sua morte a culpa para todos que o ignoraram, para absolutamente todos que se perguntam "por quê?"...

O suicídio é, além do grito endurecedor do silêncio, uma forma de revolta contra o sistema, é um sintoma de que algo não está bem, em Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeno escreveu: "Alguns escravos se suicidavam em grupo; ludibriavam o amo "com sua greve eterna", como diz Fernando Ortiz." É fácil perceber o quanto a nossa sociedade é hipócrita e opressiva, entretanto não podemos esquecer que NÓS somos essa tal sociedade, é como escreveu Renato Russo "Não quero lembrar que eu minto também… eu sei", a vida urge, mas a realidade claudica, mancando sem firmeza e impulsionando nosso caminho para o que Freud nos alerta em Além do princípio do prazer (um texto de 1920 e que completa cem anos), texto de onde Lacan constitui boa parte das suas elucubrações, trazendo-nos o conceito de gozo no seu Seminário 17: "Pois o caminho para a morte - é disso que se trata, é um discurso sobre o masoquismo, o caminho para a morte nada mais é do que aquilo que se chama gozo" O gozo, de forma simples, é o curto-circuito da energia pulsional, o ponto onde a repetição cola, não permitindo passagem para o desejo. O suicida age como se estivesse preso numa corrente de alta voltagem fulminado por não conseguir quebrar o seu ciclo de sofrimento. Ele não pode, não consegue se soltar e sucumbe pela incapacidade de representar simbolicamente o seu sofrimento. Outrora escrevi um aforismo e hoje reescrevo aqui: "Mais do que falar sobre o suicídio, precisamos escutar quem se sente impelido a cometê-lo", escutar quem sofre é dar condições para que se insira no simbólico, e na sociedade como um todo, a voz de quem sofre em silêncio; quem sabe assim, ao invés de buscar a morte, quem quer se matar, possam encontrar uma nova forma de enfrentar a vida.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Mais uma vez




Mais uma vez, me deparo diante da impossibilidade de dizer, eis que paro buscando palavras onde elas não existem, palavras na insuficiência da minha linguagem, na limitação da minha língua que ainda sente o teu sabor. 
Mais uma vez, busco em vão traduzir a sensação de tocar a tua pele, escutar a tua voz, tento inutilmente dizer como é para mim te sentir; como a tua luz transforma o meu olhar, como tua beleza invade minha retina. Eu garimpo no escuro uma palavra que traduza o que é esse aroma que exala da tua pele e me comprime as glândulas lacrimais de tanta emoção, enchendo os meus olhos de lágrimas de uma alegria indizível. 
Mais uma vez, encaro a minha incompetência em traduzir cada momento que é teu, cada desejo que te deseja mais e mais em todo instante do meu dia. Sinto que AGORA tu me tomas, mais uma vez. 
Mais uma vez, vou te dizer com três palavras o que todas as palavras, ou nenhuma delas, são capazes de dizer: EU TE AMO! E o que sai de mim é, mais uma vez, uma ínfima partícula da imensidão infinita do que eu (não consigo dizer que) sinto por ti, Minha Vida. 

Eu te amo Shirley! 

Do seu (mais uma vez e) sempre seu, 
Fábio Bispo.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Interpretando... ou seria Vivendo?


O ser humano nasce com algumas capacidades potenciais, são coisas que podemos desenvolver dependendo do meio em que vivemos, mas que fazem parte da filogênese da nossa espécie, “coisas” sem as quais não poderíamos sobreviver no mundo, entre elas temos a capacidade de andar, nadar, desenvolver linguagens e interpretar... sim meus caros, minhas caras (é, são muitas as minhas caras, e bocas, e olhares e posturas, sou humano e, portanto, nasci com esse enorme potencial para a interpretação). Somos, por natureza, ‘interpreta-dores’, pois interpretamos as nossas dores e as dores alheias. 
O verbo interpretar é transitivo direto, o que significa que ele se liga diretamente ao objeto e que precisa de um complemento para dar sentido à frase, mas não sou professor de português e isso pode não estar completamente correto, neste caso, vai depender da sua interpretação... E mais uma vez precisamos interpretar, neste caso, determinar um sentido para “a coisa”. Mas este texto fala de “interpreta-ação”, pois dependendo do meio em que vivemos ou do tipo de linguagem que desenvolvemos dois dedos elevados numa mão podem significar “hang-loose”, “paz e amor”, “vitória”, “te amo” ou “heavy metal” a depender dos dedos em questão, e tudo isso passa pelo modo como aprendemos a traduzir as coisas e a interpretá-las. Outra forma de interpretação pode fazer referência à representação de um papel e este é um ponto fulcral na leitura deste texto, pois é por causa disso que comecei a escrevê-lo, interpretamos(atuamos) para viver (ou “sobreviver”), a graciosidade infantil, a comunicação não verbal do choro do bebê mediante uma necessidade (comida, calor, carinho) pode ser notada a partir do momento em que a criança chora e se cala com a proximidade do(a) cuidador(a) - mãe, pai ou quem o valha. Pequenos atores, atuando pela sobrevivência, mas não se trata de uma atuação no sentido de falsidade, mas uma tentativa de se fazer interpretar como em falta de alguma coisa. “Persona”, que é a raiz da palavra personalidade, significa máscara, portanto é a partir do uso destas que interpretamos os diversos papéis que aceitamos dos outros e também os são escritos por nós, a partir do que é conveniente, mesmo que não seja absolutamente “lícito”. 
A grande questão é para quem interpretamos, e o que queremos interpretar para este “quem”, pois o aspecto imaginário desta interpretação passa pelo mal entendido simbólico, podemos estar sendo mal interpretados, quando pensamos estar dando show de interpretação dignos de Oscar, porque na verdade não basta sentir, o que se quer é fazer sentir, por isso choramos, sorrimos e nos irritamos com as personagens diante das telas, ou diante dos nossos pares. Viver não é fácil, saber o porquê de os papéis serem tão mal escritos também não é, mas ter a consciência da força do inconsciente nos atos e fatos da nossa vida faz ter mais responsabilidades nas questões cruciais da vida. Não se sinta mal se está sendo mal interpretado, o “normal” é sê-lo, muito dificilmente falaremos tudo ou entenderemos tudo, o psicanalista Jacques Lacan já disse: “Você pode saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou”. E sendo assim, entre uma interpretação e outra (ou entre todas elas), sobra o homem, sujeito de desejo, ou manifestação do gozo, num sentido de repetição do vazio.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

As cenouras são como as pessoas!(?)


Hoje estava "cozinhando" (saliento as aspas) e peguei uma cenoura e uma batata doce na geladeira, para descascá-las e prepará-las no vapor. Antes porém, agachado em frente à gaveta aberta, dentro da geladeira e sentindo aquele ventinho gélido que vem de um sudoeste não muito bem geolocalizado, meus olhos buscavam, entre pimentões, tomates, limões e outras coisas que estavam ali dentro daquela caixa de plástico, as batatas e as cenouras, e quando as encontrei, elas estavam com uma aparência "medonha" (minha esposa gosta dessa expressão, dedico à ela a referência). Peguei o tubérculo e a raiz, joguei-os dentro da pia e abria torneira para lavá-los, nem sei porque fiz aquilo, eles estavam limpos, mas enfim...
Abri a gaveta de "ferramentas" (chamo assim porque é uma que fica abaixo de onde os talheres repousam e lá dentro tem conchas, facões, apanhadores, escumadeiras... ferramentas de cozinha), e peguei um cortador de queijo (um fatiador, pra ser mais exato), eu gosto de usá-lo para descascar cenouras, abóboras, batatas, essas coisas (#ficaadica). No momento em que comecei a descascar, a remover aquela camada de feiura que protegia parte do meu almoço, eu me dei conta de que o interior das coisas continuava intacto, bonito, brilhante, suculento e que talvez o frio da geladeira, o passar do tempo em más condições externas tivesse modificado o invólucro, mas que a essência da coisa estava ali, pronta pra ser o que nasceu para ser; isso me fez pensar nas pessoas que se deixam afetar tanto pelas condições externas que só conseguem mostrar suas cascas secas e, às vezes, de tanto se verem assim em seus espelhos embaçados, esquecem do seu "recheio" suculento, do seu brilho e do que realmente nasceram para ser.
Que possamos ser essência, mas não a que se esvai no ar com o vento, mas a que nos define enquanto seres únicos, manifestação de nossa potência de vida, por mais que (parafraseando Saint-Exupéry) "o essencial seja invisível aos olhos", que possamos sentí-lo e transparecê-lo no nosso viver cotidiano.
Que sua quarentena lhe seja leve!

segunda-feira, 30 de março de 2020

Profundo


Para onde vamos quando queremos isolamento? O que fazemos quando nos sentimos isolados? Como lidamos com o isolamento autoimposto? O que sentimos quando o isolamento nos abraça, independente de quantas pessoas estejam ao nosso redor? Talvez a resposta para todas essas perguntas seja “Vamos pro fundo”... e nas profundezas de nossa existência temos luz e escuridão, temos silêncios ensurdecedores e tememos o que não podemos (nem queremos) ver. Profundo é o mergulho que o encontro conosco nos proporciona, pro fundo é onde nós se encontram apertados, sufocando, prendendo e imobilizando monstros que são nossos, que somos nós mesmos.
Em época de “pandemia” ressurge o Pã, ou Pan, deus grego que andava à noite nos bosques, tinha chifres, pés de bode, tocava flauta e dançava com ninfas, sua descrição lembra o fauno (ou sátiro) “ guardião do Percy Jackson”, mas Pan deu origem à expressão pânico, porque andava pela escuridão da noite e quem se propunha a fazer viagens noturnas tinham pavores súbitos acerca do que não podiam ver... Ora, vejam se não estamos diante do pânico pandêmico de um vírus (organismo microscópico e que “não se pode ver”) trancados em nossas casas, lançados em nós mesmos, amarrados por esses nós, cheios de medos e dúvidas...?
Creio que uma boa forma de minimizar o pânico e iluminar nossa escuridão é nos informando, compartindo, compartilhando sentimentos, sensações, angústias, alegrias, comida, sorrisos... dividindo, de longe ou de perto, pois mesmo em nossas profundezas, somos humanos que amam, que querem amar, que querem o mar, o mar de emoções que nos alavancam, nos removem das profundezas escuras do pânico, que enfraquecem o “pandemônio” que a pandemia esfrega em nossas caras.
Que saiamos das nossas profundezas mais iluminados do que entramos, que notemos e valorizemos a presença do outro, que tenhamos a simplicidade de dizer que amamos e que sejamos sinceros nos ditos, coerentes com os não ditos, tentado de toda forma minimizar os ‘mal-ditos’, mal interpretados, malfazejos. Sejamos humanos profundos, pois profunda-mente somos crianças potencialmente capazes de sermos seres cada vez melhores.
Fique em casa, mas dê um “oi” no profundo de alguém, para que este saiba que não precisa estar sozinho no isolamento, senão nos sobrará o nada e só... lamentos.


Fábio Bispo, em 30/03/2020, ao lado do meu amor.

terça-feira, 24 de março de 2020

"Cacildis!"


Curiosas coisas complicadas carecem cuidados, cumprindo célebres cortes; crentes carnificinas conscientes? Camufladas? Como confirmar? Cedo credo cede, culpa crepuscular, casa com cores cinzas, combinados crassos, cobrindo certezas, choros, crianças, cidades completas, caminhos carregados como charutos cheirosos caindo com cem coisinhas cheias como chuva cálida cortando céu. Chama central come corpos crus, cruéis, críticos cortados como carne. Canção chata chega cedo, cai cuspindo crime, ciência consegue cobrir contos completos com certezas cingidas, contidas como cabeças cheias com cocô.